Subterfúgio de Palavras

Leonor, Portugal. – "Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo." Fernando Pessoa

Entre dois mundos 

Vai e volta, vem mas não fica. Já não sei se quero que fique pois temo que essa vontade surja por um interesse mesquinho e egoísta de quem fez sofrer. Afasto, portanto, de mim, o peso da pena própria e o orgulho que me esvazia o peito porque não é deles que me quero servir.

Não sei o que quero nem o que não quero, não sei como querer nem como não querer, não sei, só sei que queria saber mas que nem isso, que caso verdade faria de mim quem não sou, sei.  

Prostração

Impotência,
Fracasso agudo no peito
Sinal de pouca existência

Já corre longe e em vão o toque destas mãos que querem curar, mas não curam
Escondem-se trémulas numa arrastada espera disfarçada por livros e histórias que, por entre linhas distantes ditadas por um escritor qualquer, nos demandam olvidar

São mãos de quem sabe sem bem saber o sabor áspero do trépido sofrimento de perder
E a sua trémula firmeza testemunha apenas, por entre a fraqueza do olhar, o que é sentir sem poder tocar

Perene

Pudesse eu ver, ou deixar-te ver, o fio de arame enredado vagarosamente enjeitar-se onde o destino o levou. Lugar já comprometido por lábios convictos, condenados, contudo, por ouvidos trépidos. E pudesse eu tocar-lhes e sentir-lhes o tremor acalmar só para ter a certeza que a tinhas também, de mim. Giro vezes sem conta o peão, desafio-te a ti a girá-lo também. O movimento perpetua-se, o reflexo fica-me no olhar, não vai parar por muito tempo.

Hora de ir embora

Deito a mão na testa, passo-a pelos olhos pressionando-os e deixo-a escorregar até à boca para segurar um bocejo. Hora de ir embora. Não é pena, não é tristeza. Tenho mais ânsia que outra coisa. Troco o olhar e não vejo nada senão corredores e livros de um lado e árvores e céu do outro. Só não vejo pessoas do lado do corredor e dos livros porque hoje já foram para casa e portanto só voltarão amanhã. Também eu voltarei amanhã, por enquanto, quase a rastejar, ainda que alegre, mas voltarei.

Quero ir embora. Quero ir escrever este texto para outra biblioteca e quero ver as árvores por outra janela noutro lugar. Quero ir para esse lugar deitar a mão na testa cansada e olhar o mesmo relógio com os mesmos olhos de hoje. Preciso só de levar seis anos, ou doze, ou até dezoito para fora daqui. Não esqueço, mas há dias pelos quais se espera sem medo do que há pra deixar. É breve. A hora de ir embora.

IMG_0947

O Amor e a Atração – Reflexão de Psicologia B

A atração tem dois tempos – a atração antes e a atração depois – isto quando metemos o amor pelo meio.

A atração antes: 

A atração vem normalmente do desconhecido. Não propriamente de UM desconhecido mas de algo que não nos é conhecido.Se não fosse suposto ser um pouco mais formal, nomearia a atração de bicho. Ela própria acaba por ser um bichinho dentro de nós relacionado connosco e não com a pessoa por quem nos sentimos atraídos propriamente dita. Digo isto porque  a atração parece aparecer num ambiente todo ele bem estipulado, ou seja, dependendo daquilo que somos naquele dia sentiremos atração por determinada pessoa, mas numa situação diferente engraçaremos com outra.

Quando falo na atração, não me limito à física do sexo da nossa preferência dependendo da nossa orientação sexual. Lembro-me até de ter ido numa viagem há dois anos e de ter escrito um texto sobre uma mulher que provavelmente não voltarei a ver e com quem nem falei mas com quem senti uma empatia só de a olhar. Chamo a isso atração por caminhar por um mistério que quem sabe desvendado romperia tal encanto. É isso que a atração é, um encanto momentâneo, e não nego a existência de excertos momentâneos do tempo maiores que certos amores.

A atração depois:

A atração é o que fica depois do amor. Se não é atração então não sei o que é, porque depois do amor há uma saudade daquilo que fomos com alguém, e essa saudade impulsiona-nos a querer um tempo passado. É estranho e não sei bem explicá-lo, mas o amor vai-se esquecendo e a saudade vai-o substituindo, e se a saudade fica no peito ao invés do amor, então quem é que a suporta? É isso que digo, chamar-lhe-ia uma atração, de todo e qualquer tipo, por um ser que se desenvolve, como todo o humano, num espaço que já não nos pertence, e portanto, tudo o que temos dessa pessoa é o seu ser no limite do tempo que partilhámos com ela.

Amor:

Amor? Amor é mais presente. Amor é algo que toda a gente sabe um bocadinho, é algo que toda a gente pensa que sabe um bocadinho, e ainda consegue ser algo que alguns pensam que ninguém sabe o que é. Hoje, e para mim, amor é proximidade, não necessariamente física porque o amor por vezes parece que transcende. Não gosto de dividir o amor em tipos de amor mas faço-o para me perceber e fazer perceber: Amor de mãe, amor de filho, amor de irmão, amigo, avó, amor de amante! O engraçado no amor é que não me parece um sentimento. “Sinto amor.”… Acho até que para uma palavra de quatro letras lhe cabe muito dentro. Amor envolve tanto que não consigo sequer sintetizá-lo. Amor é dar importância. É certo que alguém consciente dá importância às coisas, às notas por exemplo! Eu podia dizer que a consciência para os objetivos é que nos faria estudar para os alcançar-mos, mas a verdade é que acabo por concluir que é amor. Não às disciplinas, não às matérias, mas a nós – o amor próprio.

O amor de amante tem, pelo menos da porção de matéria de amor que eu penso que sei, sempre atração. Penso isto porque o amor de amante, como o denomino por não lhe encontrar outro nome, passa antes pela paixão e numa fase plena de paixão não se pensa muito no que se diz, não se pensa muito no que se faz. O amor de amante é mais completo por ter mais de tudo, tem um sentido de partilha muito maior do que qualquer outro amor, é um amor mais ligado ao significado convencional da palavra amor, um amor com mais paixão, um amor que com o tempo parece que amena mas que continua ridículo com sussurros néscios ao ouvido.

Contudo, o amor nem sempre tem atração porque eu não a sinto com os meus pais nem com os meus amigos. Há, no entanto, algo muito parecido com a atração, uma espécie de impulso repentino, que por vezes perdura com a visão, estimulado por uma atitude de outrem que nos faz reagir de forma a demonstrar carinho com um beijo ou um abraço, e isso parece-me que parte do amor:  Amor de mãe, amor de filho, amor de irmão, amigo, avó, amor de amante! Eu não tenho destes impulsos com quem não tenho tanta proximidade, não tenho sequer a necessidade de senti-la com quem não a tenho e portanto não lhes terei amor, a esses a quem não me vejo próxima.

Se eu digo que a atração é momentânea então eu faço do amor algo que a gente trata, ao contrário da atração que se trata por si só. Mas isso digo eu hoje, que vejo proximidade como uma forte ligação interpessoal. A verdade é que o amor tem destas coisas, muda-nos as ideias sem sequer dar-mos por isso.

tumblr_no7ys1xi1n1u6vplbo1_540

Conversas e Fados

Para a Francisca e para a Laura (eternamente grata, eternamente enleada):

Perco-me em conversas:
silêncio.
Começo-as sem prelúdio:
inquisição.
Deixo-as sem fim:
devaneio convencional,
rara omissão.

Dubiedade?
Fica pra mim.
Rosto inocente, palavras que rimam com crente
Conhecimento puro:
é delicada ingenuidade.
Vacilação existe apenas num fruto imaturo

Restam os anos:
percam-se neles.
Não é dos alheios o futuro
Não o meu, não o vosso
Fado não é pelos outros
Que em minhas mãos cuido eu tudo o que posso

188.jpg

Madrugada II

Não me toleras dormir
Tão somente por te querer escrever
E desenhar em palavras
Os contornos do teu ser

Poemas Que Os Adultos Não Gostam de Ouvir

Gosto que me dê para escrever à noite. Quando aponto aquilo que me aparece algures pelo dia de passagem algures pela mente, num papel mais que três vezes rasgado e mais que três vezes rascunhado, acaba por me fugir a essência. Ou porque não é hora de escrever, não por não querer ou poder, mas apenas por cumprimento de horários que não são por mim estabelecidos; Ou porque o que me passa de repente vai tão rápido que foge sem contexto. E por isso guardo eu folhas velhas de letras e ideias aleatórias que não se querem juntar a ninguém senão às contas de matemática que normalmente são quem aparece nos rascunhos. É estranho que se juntem aí as letras e os números, mas se há um lugar no meu cosmos para os juntar que seja nesses papéis que andam tão perdidos nos bolsos da mochila como eu na vida. Sequer ao menos ambos temos lugar onde ficar, de mal a pior, mas temos o mundo!

Há dias que me rio muito daquilo que escrevo. E há dias que penso que são os outros que se riem daquilo que escrevo. Não é rir pela vontade de rir ao ouvir uma piada. É um rir a fugir para o sarcasmo, não chega bem lá mas fica por perto. Um riso expirado de quem pensa: “Esta não sabe o que diz.”. E realmente não sei! Como hei-de eu saber o que digo se amanhã não me lembro da minha própria profecia? E se amanhã me lembrar e já discordar comigo mesma direi que o dia já é outro. E se depois de amanhã ou no dia depois me voltar a lembrar, não do que pode acontecer amanhã mas do que acontece hoje, direi provavelmente que voltei a pensar. Há dias que penso que devia pensar menos. E há dias que penso que são os outros pensam muito pouco!

Se eu discutisse, no bom senso da palavra, mais vezes com certas pessoas, presumivelmente estaríamos sempre em desacordo. Fazem-me falta essas discussões! Estou habituada que seja sempre a Leonor a ter razão. Estou habituada às altas expectativas que colocam sobre a Leonor. Estou habituada a uma Leonor que se pergunta todos os dias porque esperam os outros tanto dela. Não estou habituada a que me chamem Leonor. Por isso é fácil ouvir quem guarda rancor. Eu não guardo, e é por essas e por outras que não chamo por mim.

Ai. Sem ponto de exclamação. Seco! Que digo eu e quem sou? Como hei-de eu saber quem sou se em diferentes lugares com diferentes pessoas sou a mesma pessoa com diferentes comportamentos? E com mesma pessoa entenda-se um corpo com dois olhos e uma boca, que vêem e falam coisas diferentes nesses sítios diferentes, assim como outros órgãos que não são de relevante referência. A verdade é que os comportamentos são mais o Ser de se ser do que a cor dos olhos que se tem. Portanto, suponho não ser sempre o mesmo ser. Ainda bem que há gente que sabe tanto ou mais do que eu sei de mim! Que me salve essa gente.

Hoje não estou com pressa de crescer. Estou a sentir-me meia como um dos vencidos da vida que se ri da própria situação, o que é pouco sensato visto que pouca vida tenho. Qual vencida qual carapuça, mulher! Tão cedo, nem que vencida eu esteja, não me ouvem dizer, tal como Ega disse a Carlos da Maia, “Falhamos a vida, menino!”. Nem que amanhã eu o diga, depois de amanhã já voltei a pensar!

Gosto que me dê para escrever contente. Gosto que me dê para pensar como os outros lêem o que escrevo. Não gosto de mim amanhã. Só quero conversa! E essa vai-me num fluxo diminuindo, acabando com uma mão que suporta, de encontro à bochecha, a cabeça cansada como por uma tarde bem passada. Não é um mau cansaço. Tomara eu, ser de meia palavra a quem meia palavra não basta, cansar-me assim a vida inteira.

Reflexão de Filosofia #2 – A Morte e o Sentido da Existência

O problema da existência, o significado da vida e o medo da morte iniciam-se cedo numa fase etária muito prematura com a idade dos porquês: “Porque é que as pessoas ficam doentes?”; “Porque é que o avô não acorda?”; “Porque morremos?”. Porquê? Desde Albert Camus, que defende o caráter absurdo e a falta de sentido da vida, a Peter Singer, que acredita que uma vida com sentido pressupõe uma vida ética, deambulamos por uma série de hipóteses sobre este grande problema da existência.

Apoiamo-nos em crenças, escondemo-nos na religião e calamo-nos das partes obscuras do futuro somente para afogar os medos pois a ideia de deixar de fazer parte do mundo assusta, causa revolta até de tanto pensar. Creio que de certa forma, o sentido que a vida tem deve ser dado por cada pessoa que lhe tem direito. A partir do momento que nos guiamos pelo sentimento e que tememos a morte, dando-lhe um significado após a mesma como a reencarnação, revelamos o desejo pela procura de algo que responda ao porquê daqui estarmos.

É possível que sejamos inseridos no mundo apenas como fruto da reprodução de uma espécie racional, a nossa. É possível até que os seres divinos da metafísica não passem de suportes falsamente edificados. Contudo, o facto de não sermos só um mas milhares de milhões obriga-nos a estabelecer normas inserindo desde logo cada pessoa num caminho dirigido por cada um, onde fazem parte objectivos e o sentimento de compensação. Posto isto, a cidadania torna-se num leme e apresenta-nos não o significado da existência mas as limitações e a forma do sentido que pudemos dar à vida.

A afeição que criamos com as coisas, pessoas e actividades, assim como as sensações que todos eles nos proporcionam, essencialmente as boas, fazem-nos querer mais, fazem com que tenhamos vontade de experimentar o muito que há de novo. Para além disso, a ânsia de crescer, o furor de ganhar, o ímpeto de cogitar ou a necessidade de mais tempo para viver têm de dar um sentido à existência e à vida. Servimo-nos de tudo para encontrarmos esse sentido, para acreditarmos que o há. Procuramos por ele incessantemente e quando não o procuramos porque estamos perdidos limitamo-nos a perguntar por ele, ou seja, a procura-lo essencialmente dentro do nosso próprio ser, o que tende para a crença de que há uma razão para viver.

O sentido da vida termina a partir do momento que não o queremos conhecer, a partir do momento que não queremos apreender mais acerca dele, a partir do momento que não temos força nem poder para nos levantarmos ou para aceitarmos o braço de alguém. Quando a vida deixa de ter sentido deseja-se a morte por também a ela não atribuirmos significado nestas ocasiões. Mas quando a vida o tem, suportamo-nos no tempo tentando eternizar-lo em cada momento num pequeno infinito.

Uma vida com sentido não é apenas um vida ética pelo respeito que se presta ao fundamento e liberdade dos outros, é também o poderio de algo que podemos moldar como desejarmos pondo toda a dedicação nela e portanto em nós, é um limite e uma forma de o transpor mesmo que a existência seja demarcada pela morte. Esta dá um sentido à vida, e o sentido dado à vida acaba ele próprio dando uma essência à morte pela firmeza existencial lhe retirar desejo.

Roxo de Frio

Nove de janeiro de dois mil e dezasseis. É a terceira vez que escrevo a data. É a terceira vez que inicio um texto. A segunda que desisto de um. Seria também a terceira se por acaso começasse este a escrever toda e qualquer palavra apenas com o intuito de a terminar. Palavras desenhadas em papel sem nada pra contar. Palavras gravadas sozinhas por entre outras também elas a sós como num dicionário, onde a única beleza dos vocábulos é a sua sonoridade porque nele os significados limitam-se a um conceito isolado.

Pessoas sobem e descem as escadas que se encontram defronte de mim, escondidas por prateleiras pesadas de livros científicos. Eu estou à espera dos passos de alguém em especial que não chega. E lá fora chove como se um Deus que eu não acredito estivesse zangado com o pecado humano. Já tenho as mãos borradas de tinta da china e como sempre roxas de frio. Página após página após página, nem um passo familiar.

Sento-me sempre no mesmo lugar. Rodeada sempre pelos mesmo livros não literários, as mesmas janelas, a mesma natureza para ver. Há nesta pequena rotina uma espécie de introspecção semanal que me acalma, um empurrão daqueles que sempre preciso, qualquer coisa que me faz sempre ficar e voltar.

No mundo em volta, houve algo tenso a amarrarmo-nos uns aos outros. Houve algo nesta semana que nos elevou e ao mesmo tempo enfraqueceu. Numa fraqueza plural, sentida na solidão num fio que nos prende no mesmo saco, se é que isto é possível. A morte é completamente fodida. Esforçar-me-ia para arranjar outra palavra por esta nem me agradar, mas devido à identidade de quem me refiro, considerarei ordinário o uso do mencionado adjetivo. Este ser, em quem creio mais do que em Deus por me parecer mais real, embalou-me mais do que a chuva durante seis noites. A mim, que o máximo que poderei ter perdido, foi um pedacinho da alma de quem realmente sofreu perda.

Depois da notícia, descambei a matar mentalmente um ente querido a todas as pessoas que conheço, incluindo eu. Desesperei como um louco na noite devido a um sentimento total de inutilidade. Contudo, demos as mãos, atando-as com o mesmo fio, e deitamos a língua de fora à morte, como bem escreveu Saramago, naquele estado de agonia no qual também entram as estrelas. Talvez a “futilidade” até tenha feito diferença.

É derradeira a palavra. “Morreu”. Tão extrema, tão finita. Soa-nos tanto a término que parece engolir os pontos a tudo. Devora tudo o que vê, deixando um vazio e um silêncio que paira no ar. “Faleceu”, dizem. Talvez entre eufemismos que servem de pouco consolo.

Tenho as mãos ainda mais borradas de tinta da china e como sempre roxas de frio. Tremem. Mas provavelmente já não tremem deste ar gélido. Fecho os olhos para não deixar a fraqueza cair. E eu continuo no mesmo lugar. Rodeada pelos mesmo livros não literários, as mesmas janelas, a mesma natureza para ver. Ainda com os mesmos passos por ouvir.