Subterfúgio de Palavras

Leonor, Portugal. – "Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo." Fernando Pessoa

Month: Maio, 2014

Já. Já É Tarde

Já é tarde, amanhã é mais um dia de semana e como a maioria tenho de me levantar cedo para me preparar para um novo dia. O estudo roubou-me o sono e ainda não me dei ao trabalho de o procurar.
Já é tarde e eu estou sentada de pernas à chinês em cima da cama e ora olho para os meus pés ora olho para a janela. Tudo tão monótono e eu ainda não me atrevi a deitar. De vez em quando, olho para trás para me certificar que não há mesmo nenhum monstro. Não há nenhum, pelo menos não o vi.
Já é tarde e eu ainda não quero dormir. Pelo menos já me acomodei e dei por mim a pensar nesta grande metáfora, que por acaso é a vida, e é este texto, e sou eu e nós!
Já é tarde e até agora estava a pensar que não estava a pensar em nada porque quando me lembro que afinal estou a pensar já não posso dizer que não pensei em nada. Para além disso, estou a escrever e não me convém escrever sem reflectir o que estou a pensar. Isto, porque por vezes digo coisas que acabam por soar bem mas depois tenho de parar para reflectir no que disse para ver se fazia mesmo sentido. Com certeza que não sou a única, porque nós nunca somos os únicos a não ser quando se trata de nós próprios como seres, creio eu.
Já é tarde, e releio vezes sem conta este texto, de vocabulário vulgar e com pouco a dizer, que escrevi. Dá-me vontade de explica-lo palavra por palavra mas já é tarde, e ler e saber razões não dá o prazer de pensar.
Já é tarde, e afinal já não vale de muito pensar que o cansaço já pesa em mim. Chegou a hora de sonhar!

Identidades Desconhecidas – #2

  • Nome: Desconhecido;
  • Idade: 20-25 anos;
  • Sexo: Feminino;
  • Nacionalidade: Portuguesa;
  • Local: Avenida dos Aliados, Porto;
  • Emprego: Estudante universitária;
  • Descrição: Bastantes semelhanças com Mia Wasikowska. Cabelo loiro encaracolado pelos ombros. Cerca de 1,70m de altura. Madrinha de caloiros. Estava trajada;
  • Encontrada/Situação: Monumental Serenata da Queima das Fitas do Porto de 2014 enquanto traçava a capa às afilhadas;
  • Percepção/Impacte/História: A avenida estava repleta de estudantes, pais, irmãos, familiares e de alguns turistas curiosos. Os trajes negros eram vistos por todo o lado. Madrinhas e padrinhos traçavam pela primeira vez a capa a cada afilhado, um por um. E viam-se lágrimas e caras abafadas por abraços ao som de um grupo de fado coberto de estudantes universitários que abanavam as fitas conforme iam sendo chamados.
    O meu campo de visão não era muito alargado tendo em conta a enorme quantidade de pessoas que ali se encontravam mas de ambos os lados conseguia assistir de perto ao que provavelmente eu estaria sujeita dentro de poucos anos. Os pais e amigos orgulhosos tiravam fotos quando chegava a vez dos seus queridos e de seguida limpavam-lhes as lágrimas que cada vez eram mais. Percebo pouco de tradições académicas e portanto nem sei porque choravam nem sequer o que diziam os padrinhos enquanto traçavam a capa, mas confesso ter-me emocionado com tanto afecto.
    Deparei-me com um grupo de raparigas. As afilhadas (ou estudantes que escolhiam a sua “traçante”) faziam fila, ansiosas, enquanto esperavam um pequeno momento com aquela rapariga loira com cachinhos que lhe caiam sobre os ombros. No meio de tanta gente acabei por ficar intrigada por ela, no entanto, sei que não demorarei muito a esquecer-me do seu rosto se é que já só não me é uma imagem pouco nítida que me é maioritariamente fixada devido às parecenças que me lembram de Alice no País das Maravilhas interpretada por Mia Wasikowska.
    Desconheço a importância que aquele momento tinha para cada pessoa ali presente, mas aquela madrinha possuía a confiança daquelas estudantes de primeiro ano que reflectiam agora sobre o mesmo e sobre tudo o que ele lhes trouxera de novo e bom e tudo o que lhes ensinara também, e isso fez-me pensar em todo o tempo que eu ainda tinha para viver e todas as pessoas que ainda estavam para ir e acima de tudo para vir. Por vezes são estas identidades desconhecidas que me dão novas perspectivas sem uma única palavra que me seja dirigida, e depois desaparecem e ficam aprisionadas em textos como estes, e provavelmente não são vistas de novo.
    Não sei o que ela lhes dizia, mas no meio do seu pequeno discurso, e enquanto lhes traçava a capa, as lágrimas apareciam nas faces emocionadas das afilhadas, no fim, a bonita rapariga loira abraçava-as fortemente uma e outra e quantas vezes fosse necessário para as reconfortar dando-lhes um beijo, depois disso, vinha outra afilhada. E mais um momento. E mais uma lembrança.

 

EntreTanto

À noite, antes de ir dormir, eu sou uma criança, e adormeço embalada por historias e fantasias que me fazem recordar serenos risos de todos os tempos. De olhos fechados chego a uma tranquilidade num vazio agradável, uma espécie de limbo que atrai sonhadores, sem ter de pensar como num eterno descanso. É vazio, não existe nada.
Pela manhã, quando acordo, estou apenas neste mundo.